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Rio de Janeiro / Cotidiano

A festa da redenção. Assim está sendo visto o primeiro carnaval após a pandemia do coronavírus, que parou o mundo. Com a folia brasileira não foi diferente. Baterias silenciadas, confetes e serpentinas guardadinhos e pausa geral para os trabalhadores da indústria do Carnaval do Rio, que em 2020 faturou nada menos que R$ 4 bilhões  e resultou na circulação de 10 milhões de pessoas na cidade, sendo 2,1 milhões turistas.

Para os carnavalescos e todos os trabalhadores que fazem a festa acontecer e por meio dele ganham seu sustento, durante boa parte do ano o silêncio na batucada permeou tempos desafiadores. “A pandemia esfriou todo o processo de construção do carnaval e as incertezas dominam a cena. De um modo geral, na Mangueira, tudo está paralisado de fato. Apenas estão sendo feitas atividades que não demandam investimentos financeiros ou aglomeração de pessoas. Avançamos com a escolha de samba enredo de forma virtual, transmitindo a atividade via internet para o público. A produção carnavalesca foi afetada em grande medida pela pandemia” revela o carnavalesco Leandro Vieira à Mais Rio de Janeiro. No início da pandemia, ele chegou a fazer vaquinha virtual para pagar os 60 artesãos de sua equipe.

Com o enredo da Mangueira já definido Agenor, José e Laurindo, que vai contar a história dos icônicos Cartola, Jamelão e Delegado, baluartes da verde e rosa, Leandro conta que a pandemia o fez colocar o pé no freio – assim como o mundo tem feito – até mesmo no processo de criação. “Tenho andado recluso e me equilibrando emocionalmente para passar por essa má fase, como tantos outros trabalhadores do setor onde atuo. Não me cobro produção criativa em quantidade nem desenvolvimento artístico pleno num cenário tão escasso de prazer e bem estar”, conta.

E quando a vacinação avançar o suficiente e o Carnaval chegar? “Será libertador. Certamente, o maior Carnaval de todos os tempos em seu sentido mais amplo. Não falo de volume ou cifras, falo do sentimento coletivo de redenção. Da festa da vida que derrota a morte. Do encontro que irá por fim a privação do contato da nossa massa social e a possibilidade de desfrutarmos da vocação para o prazer coletivo que caracteriza nossa experiência cultural como povo e nação”, diz Leandro.

Enquanto os homens que criam e dão o tom dos desfiles buscam inspiração à espera da folia, no dia do fechamento desta edição (08/07) pipocaram notícias de que a Liesa (Liga Independente das Escolas de Samba) e a RioTur assinaram contrato para a realização dos desfiles das escolas de samba entre 25 e 28 de fevereiro de 2022.Post do  diretor de marketing da RioTur, Gabriel David celebrou a assinatura do contrato, com duração de 4 anos.

Antes disso, pensou-se em alternativas, caso a festa não possa acontecer da forma tradicional Uma delas seria o Carnaval digital, realizada em um ambiente virtual, o que inclusive atrairia o público mais jovem para os desfiles. A segunda seria um Carnaval de inverno, com o adiamento dos desfiles de fevereiro para uma data pré-selecionada com a prefeitura e parceiros. E a terceira opção, um Carnaval estendido, com os desfiles espalhados por mais dois ou três dias, para reduzir o público no Sambódromo, mas não perder a renda com a venda de ingressos.

“Creio que a Liesa, enquanto a empresa que administra a realização dos desfiles, precisa fomentar a atividade carnavalesca e faz parte de seu papel prever alternativas possíveis para uma atividade importante como o carnaval carioca. Estou, como tantos, na ânsia de que eles resolvam as possibilidades viáveis e os caminhos que iremos traçar. Por enquanto tudo é especulação”, pondera Leandro.

Mas antes mesmo de a Liesa anunciar essas alternativas, a própria Mangueira também estudava a possibilidade de um carnaval virtual, que aconteceria em novembro. “Até onde sei, a tramitação financeira para esse projeto caminha com dificuldades. Mas isso é um assunto que foge das minhas atividades”, resume Leandro. “Quando disserem que haverá Carnaval, seja lá que carnaval for, eu estarei às ordens. É o meu ofício e eu estarei pronto. Seja pra por o carnaval na avenida real; nas encruzilhadas virtuais; no verão ou no inverno; ou seja lá onde – e quando – for possível por a escola na rua em 2022”,finaliza o carnavalesco.

Tempo para fazer, refazer e aprimorar

No Salgueiro, o carnavalesco Alex Souza busca aproveitar a maior reclusão, imposta pelo isolamento, em mais de um ano de crise sanitária,  para se esmerar ainda mais ao trabalho de criação. “A pandemia tem proporcionado o tempo que faltava pra elaborar mais, fazer e refazer, para tentar aprimorar o máximo possível. Este trabalho segue o roteiro e a essência dirigida pelo departamento cultural e a orientação da Dra. Helena Theodoro”, conta à Mais Rio de Janeiro.

Além de criar e desenhar, para ele esse período tem sido também um pouco mais reflexivo. “Procurei refletir mais, me informar mais a respeito de tudo o que estamos vivendo no Brasil e no mundo, não ingressei em nenhuma outra atividade”, conta Alex.
Ele conta que também se engajou em iniciativas criadas pela escola para minimizar as dificuldades de quem vive de carnaval e viu seu meio de sustento paralisado. “Colaborei em algumas ações que foram criadas para apoiar os profissionais do carnaval e mesmo quem não trabalha nesta área”, conta, referindo-se a iniciativas como a distribuição de cestas básicas, que continua sendo feita, e a reabertura do centro médico, que oferece atendimento gratuito à comunidade em várias especialidades.

O Centro Médico do Salgueiro foi reinaugurado em meio à pandemia e atende gratuitamente a comunidade (Foto: Divulgação)

Alex acredita que, quando o Carnaval finalmnte puder acontecer, a palavra gratidão deve estar no abre alas da folia. “Acho que em primeiro lugar quero agradecer aos céus por ter sobrevivido. Perdi muitos conhecidos e amigos, não só para o coronavírus  mas pra outras doenças também. É um dos piores momentos da História”, avalia.

Diante de tudo que o mundo viveu nesses tempos de Resistência, será que a palavra deu sentido ainda maior ao enredo, que aborda a luta dos negros para preservar sua cultura e fé ? “O termo é emblemático e transcende o próprio enredo. Todos nós estamos “resistindo” o que podemos”, ressalta Alex.

De casa nova e bailarina no comando

O próximo Carnaval vai ser duplamente desafiador para o campeoníssimo Paulo Barros, que já tem quatro títulos no curriculum. Além de ser emblemático, por conta da pandemia que calou a avenida em 2020, o carnavalesco está de volta à Paraíso da Tuiuti, onde assinou o desfile de 2003, na Série A e abocanhou o quarto lugar. Desta vez, Paulo havia imaginado um enredo sobre animais, inicialmente aprovado. Mas em abril, a escola anunciou o novo enredo ‘Ka Ríba Tí ÿe (Que Nossos Caminhos se Abram).

‘O carnaval de 2021 ficou pronto, mas só no papel. Comecei a fazer novas pesquisas de trabalho e apresentei ao presidente (Renato Thor). Percebi que tanto eu quanto ele somos muito inquietos, estamos sempre buscando novidades, e foi aí que surgiu uma nova ideia de enredo. A única coisa que posso dizer é que vou ‘surfar’ nessa onda pela primeira vez”, declarou Paulo, na ocasião.

Durante a pandemia, a escola confeccionou máscaras e arrecadou alimentos e produtos de higiene para doar à comunidade do Morro do Tuiuti.  Da batucada, os trabalhos avançam aos poucos, com atividades pontuais, como a  divulgação da sinopse de enredo e o anúncio da contratação de Cláudia Costa, primeira bailarina do Theatro Municipal, para comandar a comissão de frente.

Máscara no rosto e samba no pé

Última campeã do carnaval do Rio, a Viradouro distribuiu milhares de máscaras e também cestas básicas durante a pandemia, em apoio à comunidade, mas já acelera os trabalhos de olho em 2022. Os 19 sambas candidatos a samba-enredo já foram divulgados e a atriz Erika Januza foi apresentada como a nova rainha de bateria, em evento virtual. Os carnavalescos Marcus Ferreira e Tarcisio Zanon vão tentar  o bicampeonato com o enredo “Não há tristeza que possa suportar tanta alegria”, abordando o sentimento dos cariocas na folia de 1919, que marcou o fim da pandemia da gripe espanhola.

Em recente entrevista, Zanon falou sobre a preocupação com a retomada da criação de oportunidades de trabalho para os profissionais ligados ao carnaval. “Estamos preparando um grande projeto, pois acreditamos que o próximo carnaval terá um valor sentimental muito grande para a sociedade. Os trabalhos nos barracões podem seguir com todos os cuidados sanitários possíveis, assim como nas indústrias em geral. Nossa preocupação maior é com a quantidade de profissionais que dependem do trabalho nos barracões”, disse.

“O intuito da Viradouro é ajudar os colaboradores neste momento de pandemia. Há um risco, mas precisamos acreditar em dias melhores. O carnaval tem uma função psicológica importante para sociedade. É cedo para prever algo, mas o carnaval sempre está preparado para se adequar ao momento”.

Fotos: Reprodução