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Rio de Janeiro / Cotidiano

Por Claudia Mastrange

Quando era apenas uma menina brincando com os primos  e outras crianças no bairro de  Cosmos, Zona Oeste do Rio, Joyce Trindade dizia  que se tornaria a primeira mulher negra presidenta do Brasil. Hoje, aos 24 anos, e formada em Gestão Pública pela UFRJ, ela esta à frente da Secretaria Especial de Políticas e Promoção da Mulher do Rio de Janeiro. Alí implementa ações que visam minimizar tantas desigualdades sociais e faltas de oportunidades com que lida desde a sua infância e seguem atingindo boa parte da população, especialmente a feminina, não só no Rio, mas no Brasil.

“Claro, que os anos passaram e os sonhos mudaram, mas o desejo e a vocação de trabalhar para uma sociedade mais justa fazem parte de toda a minha trajetória… Precisamos garantir vida e o acesso aos direitos”, afirma Joyce, nesta entrevista concedida com exclusividade á Mais Rio de Janeiro. A secretária é umas das lideranças jovens que têm mostrado sua força na atual gestão da prefeitura do Rio ao pensar políticas públicas que promovam mais inclusão, profissionalização, acolhimento e independência financeira para as mulheres, questão fundamental inclusive para o enfrentamento de situações de violência.

No mês Consciência Negra, Joyce lembra que é preciso que a mudança seja estrutural, e aconteça em muitas frentes. “Para nós, mulheres negras, o caminho para a equidade de gênero e raça é ainda mais longo”, ressalta. Para quem já investe todas as forças em se dedicar a essa proposta de mudanças necessárias, seguir em frente é um ganho para toda a sociedade.

 O que a fez tomar gosto pela política?

A falta da presença do Estado na região onde nasci, despertou muito cedo na minha vida, o desejo de transformar as realidades. Estar na política é um ato de resistência, de reafirmar que nossas vidas existem e que nossos sonhos precisam ser pautados. Me sinto vocacionada a estar na política para reforçar a importância da democracia representativa.

Ter nascido em Cosmos, convivendo com a realidade da zona oeste. Influenciou sua trajetória?  O que sonhava ser, quando menina?

Sou fruto da periferia da cidade, dos extremos da zona oeste do Rio de Janeiro. Por ser nascida em Padre Miguel e criada em Cosmos, sempre vi no cotidiano o desafio de vivenciar a cidade e acessar os serviços públicos de qualidade. Além disso, sou criada em uma família grande, o senso de comunidade sempre fez parte do minha forma de ver o mundo. Então desde criança sempre me senti vocacionada para trabalhar para o público, estar ao lado das pessoas, tentar resolver os problemas do meu bairro e compartilhar todas as conquistas. Lembro que aos 8 anos de idade decidi que queria ser Presidenta do Brasil, um sonho curioso para uma menina negra de periferia, mas meus pais sempre foram impulsionadores dos meus sonhos e sempre me fizeram acreditar. E além de acreditarem, garantiram direitos básicos para que eu pudesse realizar. Claro, que os anos passaram e os sonhos mudaram, mas o desejo e a vocação de trabalhar para uma sociedade mais justa fazem parte de toda a minha trajetória.

Como iniciou sua participação em movimentos sociais? Já atuava na militância política também?

Comecei a participar de movimentos territoriais ainda na adolescência, na época em grupos de jovens evangélicos que realizavam ações sociais. Ao entrar na universidade, minha percepção de movimento social expandiu e comecei a atuar nas pautas de raça, gênero e de periferias, atrelando sempre em como as lideranças comunitárias poderiam se apropriar das ferramentas da gestão pública e dessa forma, incidirem ainda mais no Governo. Com isso, cofundei o Projeto Manivela, que tinha justamente o objetivo de auxiliar lideranças de favelas na interlocução com o serviço publico. Além disso, sou conselheira e articuladora no movimento Mulheres Negras Decidem, cocriadora do Podcast Expresso 2222 e atuei em outros movimentos.

Como surgiu a oportunidade de assumir a secretaria da Mulher?. O que almejava quando aceitou o desafio?

Uma das grandes qualidades da gestão do atual governo do Prefeito Eduardo Paes, é a composição com lideranças jovens, de diferentes posicionamentos e vivências. Ao longo de 2020 participei de alguns debates junto ao Eduardo Paes, na época enquanto pré-candidato à Prefeitura, que realiza algumas discussões com diferentes pessoas para trazer suas percepções de cidade e políticas públicas. Enquanto Gestora Pública de formação, sempre trouxe minhas contribuições fundamentais em dados e propostas construtivas. Após a eleição e conquista na urna, ao longo da transição governamental e formação dos novos quadros, o Prefeito eleito me convidou para uma conversa, com o intuito de conhecer melhor minhas propostas para as mulheres da cidade. Ao final do encontro recebi o incrível convite de ser Secretária de Políticas e Promoção da Mulher do Rio de Janeiro. Um desafio renome, por se tratar de um público de 3,6 milhões de mulheres, mas que tinha a certeza que poderia colocar em prática todas as minhas expertises e evidenciar a vida das mulheres negras, pobres e periferias para o centro da discussão das politicas.

Quais os pilares de atuação da Secretaria de Promoção da Mulher?

A Secretaria atua em seis principais pilares, sendo eles: Ações territoriais, Dados, Saúde, Enfrentamento à Violência, Gênero e Etnia. E a partir destes pilares, objetiva tonar o Rio de Janeiro uma cidade referência na equidade de gênero.

Qual a maior dificuldade e o que se tornou mais fácil implementar depois que assumiu? A equipe é toda formada por mulheres?

Quando assumimos a gestão tínhamos alguns desafios estruturais prioritários, como por exemplo, a retomada do abrigo sigiloso para mulheres em situação de violência, que havia sido fechado. Além disso, a criação de políticas públicas para as mulheres em suas diversidades, entendo que temos vidas múltiplas e, portanto, soluções diferenciadas. Porém, montamos uma equipe extremamente capacitada, técnica e além de serem sensíveis às pautas, todas de alguma maneira já haviam vivenciado as diferentes realidades ser uma mulher no Rio de Janeiro. A política pública construída a partir das pessoas que vivenciam os problemas ganha uma efetividade ainda maior, por estar atenta à todas as problemáticas. A nossa equipe é formada por 99% de mulheres, contemplando todas as nossas diversidades e territórios.

O que é e qual a importância do Mapa da Mulher Carioca? Foi ideia sua esse mapeamento?

Para solucionar problemas complexos e estruturais, é preciso ter dados para consolidar as demandas e propor políticas públicas efetivas. Este é o principal propósito do Mapa da Mulher Carioca: trazer dados e indicadores de gênero, que subsidiem aos gestores públicos e sociedade civil na construção de políticas que solidifiquem uma cidade que contemple as mulheres. Para mudarmos qualquer situação, é preciso conhecer o cenário a fundo e entender todas as suas diversidades. Ao longo da transição de governo, meu time e eu notamos que não haviam dados suficientes para orientar nossas ações. Com isso, uma das nossas prioridades de entrega nos primeiros 100 dias de governo foi justamente entregar a primeira parte do Mapa da Mulher Carioca.

Você criou o projeto Manivela e é conselheira do Movimento Mulheres Negras Decidem Como, alavancar as potências negras, femininas, especialmente as jovens?

Impulsionar lideranças negras, mulheres, jovens e de periferias é a minha prioridade de vida e, claro, enquanto secretária é o meu foco de gestão. Não há possibilidades de normatizar as desigualdades e se silenciar diante da escassez e da morte. Ao longo dos últimos anos tenho estudado e colocado em prática a metodologia de tornar as diversidades e as interseccionalidades (estudo teórico que somatiza o tema de raça, gênero e classe) como estratégias de governo e gestão. Não podemos continuar tratando esses temas em períodos temáticos, mas como ato contínuo de gerir e pensar futuro. É ao longo de todo o processo de formulação das políticas públicas, a escuta atenta às demandas e execução das ações priorizados os públicos marginalizados na história brasileira. A retomada econômica brasileira só será concreta quando nós, a maioria da população, estivermos no centro da discussão de todos os governos. Além disso, com o poder de decisão e participação.

Joyce no Curso Por um Rio Antirracista: “É uma vitória” (Foto Reprodução)

Já sofreu preconceito por ser uma liderança política jovem e negra, já que política é uma ambiente ainda predominantemente masculino e dos ‘mais experientes’?

O racismo e machismo estrutural se manifestam de forma sutil no cotidiano. Além disso, a questão geracional na política é um elemento muito predominante. São formatos do preconceito que estão na forma do tratar ao falar. Não serei hipócrita de dizer que não passei por situações de preconceito, seja dentro ou fora da Prefeitura do Rio de Janeiro. Mas estou trabalhando incansavelmente na busca por garantias de direitos e mudança de estrutura. Luto para que em alguns anos, pessoas como eu sejam “comuns” nos espaços de poder e não mais exceção.

Neste mês da Consciência Negra, o que avançamos e o que é mais urgente avançar? Especialmente no que diz respeito às mulheres negras?

Uma das grandes conquistas da Secretaria neste novembro negro foi o início do primeiro curso de extensão para 200 servidores públicos, o curso Por um Rio Antirracista. O objetivo é formar servidores aptos a elaborar políticas públicas através de práticas antirracistas. Uma vitória, pois possuímos diversas leis importantes para a população negra, mas que infelizmente não foram implementadas em sua totalidade no contexto brasileiro. Dessa forma, capacitar nossos profissionais públicos, é iniciar um redesenho na elaboração e exclusão das políticas públicas atentas às questões étnicos raciais. Para nós, mulheres negras, o caminho para a equidade de gênero e raça é ainda mais longo. Por isso, ao longo de todo ano temos priorizado nossas políticas para este público, por comprovadamente serem as que mais precisam de serviços do Estado. O mês de novembro é fundamental para reforçarmos a importância da pauta da população negra e enegrecer o nosso cotidiano.

Você é formada em Gestão Pública pela UFRJ. A Educação é o melhor caminho para mudar essa realidade de tantas desigualdades? Como alcançar a sonhada equidade para o povo preto?

A educação é um dos principais caminhos para mudança concreta da sociedade. Porém acredito que precisamos avançar ainda mais em políticas públicas intersetoriais, ou seja, ações e serviços que se complementem e atendam toda complexibilidade da nossa sociedade. Pois a educação é um dos caminhos da emancipação, porém precisamos antes disso garantir a comida na mesa, um teto e direitos básicos de saneamento. Não há mais possibilidade de pensar o enfrentamento das desigualdades e violências, atuando apenas com um tema, precisamos garantir vida e o acesso aos direitos. E para alcançar a equidade para o povo preto, são necessários dois processos iniciais: reconhecer que o racismo estrutural que assola nosso país e priorizar políticas públicas eficazes para mudança estrutural.

É fundamental que as lideranças jovens e femininas conquistem mais protagonismo?

O futuro precisa ser a partir dos sonhos dos jovens, negros, mulheres e de todas as nossas diversidades. O protagonismo da nossa participação politica, social e governamental é a única forma de garantir a nossa democracia e sociedade mais igualitária. Nossa presença é fundamental, pois as soluções de problemas complexos precisam nascer a partir daqueles que vivenciam.

A secretaria implementa cursos, atividade e ações constantes de capacitação profissional, inclusão, acolhimento… Projetos como “Novos Rumos”, “Elas na Indústria”, “Mulheres Trans de Negócios”. Fale um pouco sobre os projetos atuais.

Por acreditarmos que conhecimento é poder, capacitar e encaminhar as mulheres para o mercado de trabalho,  é estratégico para a melhoria da economia e da sociedade como um todo. Uma mulher chefe de família, tendo acesso à renda, impacta toda uma rede de pessoas. Estamos falando de impulsionar as pessoas responsáveis por estruturar a base social, que fomentam o acesso aos direitos básicos e alimentares de seus filhos, que lideram as redes comunitárias e são responsáveis por múltiplas demandas do dia a dia. Pensar em uma cidade e a economia tendo as mulheres no centro das discussões,  é justamente pensar em toda a sociedade e no futuro. É combater as desigualdades na raiz do problema.

Entre os projetos de capacitação, o ‘Novos Rumos’ atua diretamente na vida de mulheres em situação de violência. Já o ‘Elas na Indústria’ tem como objetivo levar as mulheres a ocupar posições até então reconhecidas como masculinas. Por último, o ‘Mulheres Trans de Negócios’ vem capacitar este grupo de mulheres que sofre ainda mais com a discriminação no mercado de trabalho.

A violência contra a mulher ainda é uma questão absurda e presente, como a SPM trabalha com o tema e suas demandas?

O primeiro passo é acolher esta mulher e, muitas vezes, toda a sua rede familiar. Esse é o caso do Abrigo Sigiloso Municipal, que tem o propósito de abrigar mulheres em extrema situação de violência doméstica, podendo ser abrigada com seus filhos. Além disso, o Centro Especializado de Atendimento à Mulher – CEAM Chiquinha Gonzaga, atua no acolhimento e encaminhamento dos casos de violência, dando todo o aporto jurídico, pscicossocial e assistencial para as mulheres. Uma das inovações que fizemos na gestão foi de criar o cartão Move Mulher, que consiste em um cartão gratuito de passagem para as mulheres acompanhadas pelo nosso time técnico, possa acessar os equipamentos e serviços. Um das nossas principais atuações é pensar o acesso aos direitos e a promoção das mulheres, especialmente no recorte da empregabilidade, por ser a falta da autonomia econômica um dos principais fatores da permanência da violência. E também é importante garantir e impulsionar outros direitos, como aceso à cultura, saúde, educação e muito mais. Nós, mulheres, somos múltiplas e a Secretaria da Mulher está atenta na garantia de todos os direitos.

Fotos: Divulgação