Por Claudia Mastrange
É muita história e muita música! O Biquini Cavadão está completando 37 anos de carreira e o vocalista Bruno Gouveia conta, nesta entrevista exclusiva à Mais Rio de Janeiro, que a trajetória é mesmo como um casamento que, para dar certo, precisa privilegiar o respeito e a calma. “E, no nosso caso, saber que a banda é mais importante que qualquer ego nosso”, ressalta o músico.
Embora se conhecessem há mais tempo, o grupo elegeu o dia 16 de março de 1985 como o Marco Zero de sua carreira. Foi quando se apresentaram profissionalmente pela primeira vez, no festival “Medidas de Impacto” no Circo Voador, no Rio de Janeiro. De lá para cá, o sucesso foi sendo construído no momento em que o chamado ‘Rock Brasil’ já contava coma força musical de bandas como Paralamas do Sucesso, Legião urbana e Barão Vermelho. E as novas gerações seguem curtindo a banda.
Para isso, eles estão sempre se reinventado, com letras focadas nos temas dos nossos tempos e fets inusitados com parceiros musicais ‘improváveis’, como Péricles. Sempre com esse olhar, em novembro de 2020, antes de estourar a pandemia, o Biquini entrou em estúdio para gravar um novo álbum autoral, o primeiro após quatro anos do lançamento de “As Voltas Que O Mundo Dá”, em 2017. Na sequência, a banda fez um tributo à Herbert Vianna, “Ilustre Guerreiro”, em 2018, e o registro desta tournée em audio e video em “Ilustre Guerreiro Ao Vivo”, lançado em 2020.
Em meio à crise sanitária, eles tocaram o projeto e “Através dos Tempos”, que foi gravado remotamente por todos. Os músicos praticamente não se encontraram em estúdio, nem mesmo ao fazerem as fotos e clipes, e os singles das canções foram sendo lançados ao longo de 2021.
“Quando sugeri que gravássemos um novo disco de inéditas, falei muito com a banda de fazermos um trabalho com alto astral. A música “Nada é Para Sempre”, por exemplo, é isto: um aviso de que, apesar de tudo, seguiremos em frente e superaremos tudo que estamos vivendo agora“, declarou Bruno.
Eleito pelo público e por alguns sites especializados como um dos dez melhores discos de 2021, o álbum acaba de ganhar versão contendo todas as faixas em BG (em inglês, background instrumental). Esses áudios refinam a experiência de percepção dos arranjos da banda e viram uma espécie de karaokê de luxo. Melhor para os fãs, que podem usar e abusar dessa base para postar nas redes sociais. A faixa título, por exemplo, foi inicialmente registrada num software simples, o GarageBand, da Apple, tal como já fizeram Oasis, Rihana, Radiohead e Nine Inch Nails. “É um software gratuito, intuitivo e fácil de usar. Acho que é legal os fãs saberem disso, que podemos usar algo bem simples para criar novas canções”, diz Bruno.
Além do trabalho com a banda, ele toca outros projetos paralelos, como o livro “Impossível Esquecer o que Vivi”, lançado em 2019, e conta como vê o mundo em tempos de pandemia e os projetos que vêm por ai em 2022. Confira!
São 37 anos de música e amizade…Como manter uma parceria por
tantos anos? Que ‘casamento ‘ é esse?
No fundo, se baseia nos mesmos fundamentos de qualquer um que queira ter uma relação longeva. É preciso ter calma, paz, respeito, sinceridade e compreensão. E, no nosso caso, saber que a banda é mais importante que qualquer ego nosso.
Aqueles amigos do colégio imaginavam ir tão longe na música e fazer parte da história do Rock Brasil?
Os Rolling Stones tinham apenas uns 20 e poucos anos de carreira quando surgimos e achávamos esta marca inatingível, quando começamos. Chegamos a 37 e, olha só, os Stones tão lá na frente sendo sempre uma boa referência né?
Herbert Vianna é meio padrinho de vocês, inclusive de batismo né? Sem falar da participação em ‘Tedio’… Como define essa amizade de anos e a parceria musical, que rendeu inclusive a homenagem com “Ilustre Guerreiro”? Verdade que ele tinha ideia de dois nomes? E porque o ‘Biquíni Cavadão’ venceu?
Venceu porque desistimos de nos chamar Os Hipopótamos de Kart kkkkk. Mas achávamos que o nome Biquini Cavadão também não duraria muito, kkkk. Herbert não só nos ajudou como também a muitos do rock nacional naquela época: Plebe Rude, Legião… um verdadeiro embaixador do rock.
Herbert sobreviveu a uma tragédia e seguiu fazendo música e sendo referência. Você também enfrentou a dor inimaginável de perder um filho… Como é buscar essa superação? É possível ressignificar a dor para fazer uma releitura da vida e da música?
Tanto eu quanto Herbert fomos apoiados pelo carinho de amigos, familiares e fãs. Isso certamente nos ajudou muito. O amor, neste caso, realmente nos salva. Não há outro caminho, a não ser seguir em frente. E com o apoio de todos, um dia de cada vez, vamos superando.
Acredita que as pessoas estão redescobrindo a galera do Rock Anos 80? Como vê o Biquíni nessa turma que marcou gerações e segue se reinventando?
Com orgulho, certamente. Temos uma alegria imensa ao ver que muitos estão nos descobrimos agora. Antigamente se alguém me perguntava o porquê do nome Biquini Cavadão, eu pensava: nossa, de novo? Mas hoje percebo que esta pode ser a porta de entrada para uma nova geração que está nos descobrindo.
Como é a interseção entre Biquini e outras bandas dos 80 e agora com a galera que veio chegando nessa era digital?
Fomos pioneiros na Internet já em 95 e isso nos deu a base para lidar com o que estamos vivendo hoje. Para nós, encontrar nossos colegas em meio a apresentações pelo país é sempre um prazer e a chance de acontecer uma canja especial.
Os anos 80 foram uma efervescência de bandas e criatividade. Como vê o cenário musical hoje? O que destaca de bom e ruim e o que tem ouvido?
Hoje, vejo bandas novas bem legais. Johny Manero, Lambretta, Cali, Reite, Lestics são algumas que tem feito ótimos trabalhos. O rock não é nem de longe o que foi na década de 80 em termos de popularidade. Mas isso não quer dizer que a qualidade tenha caído. Quanto ao que me chateia é um pouco esta sensação de que estou às vezes ouvindo um MEME MUSICAL e não uma música. Mas quem decide mesmo tudo é o público. Não cabe a mim criticar o que não gosto e sim elogiar quem eu acredito.
Qual foi o impacto da chegada da pandemia na rotina da banda, já que no final de 2020 vocês estavam iniciando a gravação do primeiro álbum de inéditas após 4 anos?
Na verdade, a pandemia nos fez repensar o que lançaríamos em termos de trabalho. “Através dos Tempos” respira esperança, otimismo, resiliência e perseverança. Fruto de nosso entendimento daquele momento.
Como foi atravessar esse período? Vimos que mesmo com o distanciamento fizeram vários trabalhos.
Não paramos um instante. Continuamos nos falando e tentando lidar com aquela pausa sem definição. Uma fermata em nossa carreira. Isso nos ajudou a superar a frustração de estarmos longe dos palcos.
Também nesse período você gravou a versão de ‘Vento Ventania’ para o
Mundo Bita, como foi? A ideia foi sua né? A ideia é também conversar com novos públicos, como o infantil?
Sou fã do ‘Mundo Bita’ desde a Fazendinha. Minha filha ouvia sem parar em 2014 e 2015. Quando vi que, além do trabalho autoral, também gravavam com participações, conversei com eles. Meu filho acabara de nascer e achei que seria incrível ter uma versão de uma música do Biquini Cavadão com eles, que toparam em seguida.
O Biquini também gravou com artistas como Matheus e Kauan e
Péricles…acredita que esse trabalho diferenciado,com parcerias consideradas ‘inusitadas’ dá sempre um novo fôlego ao trabalho musical?
Acho que é uma forma de públicos de outros estilos nos conhecer. Foi engraçado: entre os comentários no clipe, um fã do M&K dizia “adorei a música mas quem são estes tiozões?” kkkk E são sempre participações que somam ao trabalho. Faremos mais, talvez ainda neste ano, sempre com alguém improvável.
O álbum ‘Através dos Tempos’ resulta também das sensações que a banda e as pessoas de forma geral viveram durante a pandemia? Como fluiu a inspiração para as composições, neste sentido?
Fizemos mais de 20 músicas e filtramos para 9. Focamos no otimismo como disse. Cada um a viveu de uma forma diferente, mas o disco exala esta sonoridade que buscamos junto com o produtor Paul Ralphes.
Como surgiu a ideia de escrever o livro? É fácil esse mergulho em si mesmo e toda sua história e colocar tudo nas paginas de “Impossível Esquecer o que Vivi?” . O resultado final foi o que esperava ou algo te surpreendeu?
Eu queria fazer o livro para sair com as celebrações de 30 anos do Biquini Cavadão, mas acabei me dedicando mais à minha filha. Também foi complicado escrever algumas partes e isso levou mais tempo do que imaginava. Mas o resultado me animou muito. Espero escrever outros trabalhos. Brinco que esta foi a letra mais longa que fiz….kkkk
Se arrepende de algumas decisões? Faria algo muito diferente em sua trajetória. E do que mais se orgulha?
É lugar comum, mas os erros é que levam para onde você está hoje. E tenho muito orgulho do que fizemos. Não são erros, são aprendizados.
Que projetos vêm por aí neste 2022?
Estamos começando finalmente a fazer shows e vamos mostrar muito desse novo trabalho, ao mesmo tempo em que já estamos trabalhando em um novo disco. Vamos tirar este atraso com muita alegria em cada palco e cada lançamento.
Que legado você sonha deixar para seus filhos e o que o mundo pós- pandemia, mas ainda com guerra – pode construir para as novas gerações através dos tempos?
Eu espero que de alguma forma nossas atitudes, nossos versos possam inspirar as pessoas. Ou como diz a letra de “Nada é Para Sempre”, do disco “Através dos Tempos”, “e a gente nunca mais se esqueça que o amor – e não o ódio – somente ele é capaz de uma revolução”.
Fotos: Laura Tardin e Vinicius Mochizuki