Destaque na novela Pantanal, Caco Ciocler fala de seu amor pela profissão e sobre a capacidade de se reinventar a cada desafio
Por Claudia Mastrange
Ver Caco Ciocler em cena é sempre um presente para quem aprecia a arte e uma boa interpretação. Em mais um desafio, no remake de Pantanal, o ator vive o psicólogo Gustavo Sousa Aranha, inicialmente vértice de um triângulo amoroso com Madaleine (Karine Freire) e José Leôncio (Marcos Palmeira) e que depois acaba engatando romance e saindo em viagem pelo mundo ao lado de Nayara (Victória Rossetti).
Os pombinhos ainda devem voltar à cena, mas, além do folhetim, Caco segue a todo vapor com outros trabalhos. Encerrando seu contrato fixo com a Globo, após 27 anos de casa e inúmeras produções de sucesso, ele acaba de rodar o filme “O Meu Sangue Ferve Por Você”, em que interpreta Jean Pierre, primeiro empresário do cantor Sidney Magal, e estará na terceira temporada de “Unidade Básica”. Também escreve uma série para o streaming e ainda cursa Faculdade de Biologia. “Me formo daqui a um ano e meio e adoraria trabalhar com células”, conta, revelando sua paixão por citologia e pesquisa.
O paulistano Carlos Alberto Ciocler, 50 anos, estreou na TV na novela “O Rei do Gado”, de Benedito Ruy Barbosa, que lhe rendeu o prêmio de ator revelação pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA). Em 2005, dez anos depois, foi eleito o melhor ator do ano pela TV Globo pelo personagem Eddiei Talbot, em “América”, de Glória Perez. Participou também de novelas como “Duas Caras”, “Páginas da Vida”, “Caminho das Índias”, “Salve Jorge”, “Segundo Sol”, além das minisséries “A Muralha”, “Quinto dos Infernos”,” JK” e “A cura”.
No cinema, Caco ganhou o prêmio de melhor ator no festival de cinema de Recife por “Família Vende Tudo”, entre outros, e tem atuado também como diretor, como no recente “O Melhor Lugar do Mundo É Agora”, que participou do 1° Festival de Cinema de Vassouras, no Rio.
Pai de Bruno e avô da fofíssima Elis, esse artista ímpar conta um pouco mais sobre a vida e a carreira nesta entrevista exclusiva à Mais Rio de Janeiro. Vale – e muito -conferir.
Vamos começar falando do fenômeno Pantanal? Como você explica esse estrondoso sucesso da novela, tantos anos depois da primeira exibição?
Pantanal foi uma aposta não apenas no sentido mais óbvio, o de ofertar um estrondoso sucesso a um novo público, mas principalmente na crença, corajosa e acertada, de que seria possível outra vez inaugurar para esse público uma certa qualidade de olhar, humana, uma manipulação do tempo/espaço muito particular, que Benedito Ruy Barbosa e Jayme Monjardim haviam apresentado anos antes, como se fosse uma assombrosa novidade. O tempo é cíclico, sempre me pareceu meio claro que mais cedo ou mais tarde as pausas, a contemplação, tão desprezadas pela exigência contemporânea por velocidade e preenchimento, voltariam a soar como novidade, voltariam a ser desejadas e desfrutadas. Isso, sem dúvidas, somado ao talento do Bruno (Luperi), da direção, dos atores e das equipes todas, envolvidas na novela, que souberam transportar a trama para a atualidade com muita competência. Não só nos assuntos, mas nas sofisticações técnicas, em todas as áreas, sofisticações de linguagem, do próprio entendimento da percepção do público.
Em sua opinião, que ingredientes eletrizam o público? E como telespectador, o que você curte assistir nas telas?
Sedução, risco e mistério. São esses os ingredientes potentes. Mas Pantanal nos prova que estávamos com saudade da beleza, da contemplação, dos silêncios, dos respiros, da conexão humana com o milagre da vida. Como telespectador, mas também operário do ofício, curto assistir ao trabalho dos atores e atrizes principalmente. Ultimamente, com meu mergulho na direção, tenho curtido decifrar também as opções de enquadramento e decupagem das cenas. Prefiro os filmes às séries, mas confesso que me viciei em algumas delas.
O Gustavo se dividiu entre duas irmãs e acabou engatando romance com Nayara, diferente da versão original… Curtiu a resolução? E ele volta à trama?
Gustavo é um personagem criado para cumprir uma função muito específica na trama: ser um vértice de um triângulo amoroso. A partir do momento que uma das pontas sai do jogo, estou me referindo aqui à morte de Madeleine (Karine Teles), essa função fica totalmente abalada. Na primeira versão, a resolução de tirar Madeleine foi fruto de um desentendimento entre a atriz e a direção da novela. Gustavo ficou sem função e sumiu. A decisão nessa segunda versão foi a de manter a saída de Madeleine, claro. Se não fosse assim, a história teria que ser totalmente modificada, o terceiro vértice do tal triângulo é ninguém menos que José Leôncio (Marcos Palmeira). Irma (Camila Morgado) também já tinha um desfecho muito bem definido então, Bruno escolheu manter a saída do Gustavo mas, dessa vez, acompanhado, tendo finalmente encontrado a paz amorosa que tanto buscou experimentar com Madeleine, durante toda sua vida. Achei uma decisão bonita, um final feliz para eles. Gustavo e Nayara (Victória Rossetti) voltam para a trama sim, mas por um período bem curto de tempo, o suficiente para se darem conta de que eram mais felizes fora dela. Hahaha.


Gustavo e Nayara estão de volta à trama de “Pantanal” (Foto: João Miguel Junior)
Verdade essa história de perder papel porque não estava ‘bonito’ o suficiente? Conta como encarou isso? Acha que os ‘galãs’ ainda tem seu lugar nas tramas?
Isso é o tipo de coisa que a gente cita nas entrelinhas de uma entrevista, e que acaba ganhando um peso que a gente nunca deu ou quis dar, vira manchete para chamar atenção. Contei esse “causo” apenas para demonstrar que essa questão de ser bonito, de ser galã, tem muito mais a ver com uma certa energia que a gente aprende a manipular, e empresta ou não ao personagem, do que com beleza em si. Sim, perdi um papel muito bom porque não me acharam bonito. Eu arrasei no teste, então fiquei chateado, claro, mas não porque tenha me sentido ferido ou ofendido, mas por ter perdido a chance de construir um personagem tão bom, por uma falha de comunicação. Porque nunca havia imaginado esse personagem bonito, muito pelo contrário. Era um sujeito rejeitado, que se sentia sempre inferiorizado, preterido, era importante para a sua constituição psíquica que nunca houvesse se sentido bonito. Isso, para mim, era um traço que o definia. Se tivessem me dito que era importante para a trama que ele fosse bonito, ou atraente, eu incorporaria esse dado. Citei essa história para exemplificar, para falar desse poder de manipulação, para dizer que ser bonito em cena, para mim, é uma exigência de determinados personagens, não de todos. Se for importante ou interessante que tenha esse traço, ótimo. Agora, se isso não for uma questão importante para o personagem, ou se for importante que ele não seja bonito, então não será bonito. E não estou falando (apenas) de caracterização ou maquiagem, estou falando de um poder que nós, atores, temos. Edgar, de “Segundo Sol”, é um grande exemplo. Quando entendi que seria interessante para esse cara inseguro disfarçar sua insegurança tentando atender a um padrão de beleza que lhe conferisse uma aparente elevada autoestima, quando entendi que esse seria um traço constituinte de sua psiquê, fiz essa aposta. E deu super certo. Tudo isso para te responder que sim, claro que os galãs ainda têm seu lugar, e são importantíssimos, mas deixaram de ser homens belos, independente de seus talentos, e passaram a ser atores com uma capacidade muito grande de manipulação dessa energia. Os galãs de hoje são, sem dúvida, muito mais interessantes e, portanto, paradoxalmente, bonitos.
Fala um pouco de seu trabalho em “Unidade Básica”, inclusive como diretor? Que novidades pode nos contar da terceira temporada?
Unidade Básica foi a primeira série a tratar da atenção pública primária no Brasil. Tenho muito orgulho de ter feito parte desse projeto desde o início, de maneira tão intensa e relevante. A terceira temporada estava toda escrita já quando filmamos a segunda, mas foi totalmente refeita com o advento da pandemia. A segunda temporada estreou no auge da resistência do SUS à tentativa de desmonte por parte do governo federal. Era impossível conceber estrear uma terceira que não tocasse no assunto pandemia, onde a saúde pública foi tão afetada e relevante. Então, o que posso contar por enquanto é que, mantendo a tradição da série, cada episódio será inspirado em um caso real que ajude a contar a história da chegada da Covid ao Brasil e o impacto dessa chegada às unidades básicas de saúde. Foi minha primeira experiência como diretor de ficção (já havia dirigido documentários) e inaugurou em meu olhar uma nova disciplina. Passei a assistir séries e filmes tentando entender porque gostava ou não de determinados planos, de determinadas escolhas, para tentar construir, em mim, um gosto, uma assinatura como diretor.
Você já atuou em uma grande variedade de tipos. Estreou logo levando um prêmio por “O Rei do Gado’ , fez tipos mais urbanos, de época, misteriosos… Ser um camaleão das artes é o que te instiga? Que personagens foram mais desafiadores?
Entendo sua pergunta e fico bastante lisonjeado com ela, mas preciso fazer uma distinção aqui. Não me vejo como um ator de tipos. Entendo cada personagem como uma oportunidade única de investigar em mim uma leitura, um olhar particular de mundo. Não é algo que eu projeto fora de mim, um tipo, e depois persigo. É uma investigação íntima, uma construção. Sendo assim, os personagens mais gostosos de fazer são os que dão trabalho, os que te exigem uma investigação mais complexa, os personagens com nuances, com contradições, com volume. Os mais desafiadores, por sua vez, são aqueles que te obrigam a inventar um volume, de tão chapados que são. No audiovisual é meio fácil de saber se um personagem é bom ou se você é que terá que inventar profundidade. A dica é o convite. Se no convite te definirem o personagem pela sua função dramatúrgica, como por exemplo ele é marido da fulana e vai ter um caso com ciclana, as chances de ser um personagem menos volumoso são grandes. Agora, se te o definirem pelas suas características físicas e psíquicas, é um bom indicativo de um personagem que vale a pena. Como exemplo de um ótimo personagem, que já me pareceu ótimo no convite, posso citar o Dom Miguel, de “O Quinto dos Infernos”, entre alguns outros.
Você se dividiu entre as gravações da novela e as filmagens do longa “O Meu Sangue Ferve por Você” . Como foi se desdobrar? Fale um pouco do filme… Já terminou as filmagens?
Na verdade, faltavam gravar apenas algumas poucas cenas do Gustavo quando filmei “O meu sangue ferve por você”, justamente as referentes a essa volta rápida dele com a Nayara, de que falamos anteriormente. Então não houve nenhum conflito de agenda. Foi possível para a produção esperar que eu acabasse de filmar, e muito generoso da parte deles. O que houve foi apenas a impossibilidade de mudar meu visual, porque não poderia voltar com o Gustavo diferente. Foi um dos trabalhos mais divertidos que já fiz. O filme é um musical. Além do personagem ser muito engraçado ainda tem um solo, um número maravilhoso de canto e dança. Eu jamais poderia imaginar fazer um filme musical a essa altura do campeonato. Foi incrível.
Como foi o encerramento do contrato com a Globo após 27 anos? Como define sua trajetória na casa,com desafios tão diferentes? Hoje em dia, vale a pena o ator estar ‘mais livre’ para as novas opções que o mercado oferece?
Foi como um casamento, um casamento de 27 anos, com momentos maravilhosos, outros não tão bons, momentos de paixão, momentos de certa frieza… Tivemos filhos juntos, e sinto muito amor por cada um deles. Devo muito a essa parceria, muito mesmo e serei eternamente grato a ela, por ter me ensinado tanto sobre meu oficio, sobre o sucesso, o fracasso, o audiovisual em si. Recebi meu primeiro convite da Globo uma semana depois de saber que seria pai. Tinha 24 anos de idade, estava em pânico, perdido no meio de um curso de engenharia química, já apaixonado pelo teatro, mas sem nenhuma condição financeira para sair da casa dos meus pais e constituir família. Então a Globo meio que salvou minha vida nesse sentido, sabe? Me deu coragem e condição para assumir o oficio que amava, me ensinou tudo, nunca antes havia feito nada no audiovisual. Esses 27 anos foram minha escola, minha formação. Sempre me trataram com respeito, sempre deixaram que eu fizesse minhas peças, filmes. Graças à Globo pude, paradoxalmente, arriscar artisticamente em aventuras duradouras fora da Globo sem nenhum retorno financeiro. Pude fazer escolhas unicamente artísticas. Pude me dar ao luxo de ficar cinco, seis anos em companhias de teatro, dirigir dois filmes com dinheiro próprio…enfim, devo tudo isso a esse casamento, que na verdade não acabou. O que aconteceu foi apenas uma mudança contratual, como acontece em alguns casamentos. Claro, perco uma segurança, um conforto, mas quem disse que segurança e conforto fazem bem ao artista? Eu acho que fazem muito mal. Só sei trabalhar me sentindo apaixonado. E paixão nada tem a ver com segurança e conforto. Desde que encerrei o contrato já fiz dois filmes, dois personagens que me devolveram uma paixão alucinante pela atuação, que andava meio adormecida, apagada. Estou apaixonado outra vez, olha que lindo isso!
Verdade que está escrevendo uma série para streaming? Pode nos adiantar um pouquinho?
Sim, é verdade. Meu primeiro filme autoral, “Partida”, ganhou importantes prêmios dentro e fora do Brasil. O segundo, feito durante a pandemia, ganhou o prêmio de melhor documentário na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Ambos nasceram como reações artísticas a certas questões que me angustiavam. E por que estou dizendo isso? Porque tenho várias questões que me angustiam (hahahaha) e, portanto vários ótimos projetos de filmes, séries e peças. Isso é meio novo, confesso, mas muito intenso. Enquanto estava contratado, realizava esses saltos autorais nos intervalos dos trabalhos como contratado, e com recurso próprio. Agora, estou mostrando desenvolvendo alguns desses projetos para o streaming, e sentindo aquilo que interessa. Infelizmente ainda não posso adiantar nada.
Fale um pouco sobre seu livro, Zeide, tem outros a caminho? Como é sua rotina para escrever e como se definiria como escritor?
Eu adoro o livro. Nem sei dizer se o que adoro é o livro propriamente dito, como literatura, até porque nunca o li depois que foi lançado, mas adoro a ideia, adoro lembrar da viagem emocional que foi sua escrita. É um livro que conta a história das cinco gerações paternas da minha família. Começando pelo meu bisavô, na Bessarabia, e terminando com meu filho se tornando pai. Mas não é um livro cronológico, muito menos documental. Tudo o que dispunha eram de pequenos fragmentos das falhas lembrança do meu pai e do meu tio sobre seus passados, que tive que ligar com uma cola cheia de imaginação, de ficção, para conseguir deixar de pé uma história. Eu inventava os eventos mas, mesmo sabendo que eram histórias inventadas, me pareciam ser as únicas possíveis para justificar o tipo de relação que presenciei durante toda a vida entre os pais, filhos e irmãos da minha família. Adoraria escrever outro, mas é uma experiência tão especial e trabalhosa, que me prometi escrever um livro outra vez só quando pudesse me dedicar exclusivamente a isso. Não sou um escritor. Sou um ator e diretor que escreveu um livro.
Você declarou que “O Melhor Lugar do mundo é Agora” foi quase uma reação ao momento que a arte atravessou na pandemia… Fala um pouco mais sobre?
Eu acho que nós, artistas, temos a obrigação de nos posicionarmos como cidadãos, nas redes, nas passeatas, nas ruas, nas campanhas, mas temos também a obrigação de nos posicionarmos artisticamente, como artistas. O artista é aquele que olha para o mundo e devolve ao mesmo mundo um outro mundo. Se você olha para o mundo, tem um pensamento crítico sobre ele, mas não se sente impelido a transformar esse pensamento em manifestação artística, então você não é um artista. Ou não está um artista. E tudo bem não ser ou estar um artista. Tá tudo certo. Ninguém tem obrigação de ser um artista ou de estar um artista o tempo todo e em relação a tudo. Conheço excelentes atores e atrizes que não são artistas. São excelentes atores e atrizes, ponto. Agora, se você é um artista, você não consegue vivenciar a pandemia, por exemplo, sem sentir necessidade de falar sobre isso artisticamente. De reagir, artisticamente. É uma necessidade fisiológica. Foi o que aconteceu comigo em “O melhor lugar do mundo é agora”.
A direção também é uma grande paixão? Você atua, dirige, escreve…Tem outras habilidades artísticas nas quais gostaria de se desafiar?
Estou estudando biologia. Me formo daqui a um ano e meio e adoraria trabalhar com células.
O que mais vem por ai nesse 2022?
Vem alguns filmes importantes, personagens que me devolveram a paixão pela atuação, como disse. Acho que serão grandes trabalhos. Vem também a terceira temporada de Unidade Básica e, em 2023, muita coisa já engatilhada.
O que esse paulistano de nascimento que vive por aqui mais curte no Rio de Janeiro? O que costuma apreciar pela cidade?
Para ser sincero, gosto muito de ficar em casa. Então, o Rio tem essa vantagem para mim, porque qualquer saidinha de casa que faça a pé, para fazer compras, ir ao banco ou à feira, já me presenteia com uma beleza desconcertante.
Como é o Caco pai e jovem avô? O que te faz mais feliz?
Acho que é assistir ao pai que meu filho escolheu se tornar.
Fotos: Edu Rodrigues