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Rio de Janeiro / Cotidiano

Jornalista e apresentador celebra novo desafio profissional à frente do Encontro e diz que os filhos são sua maior motivação

Por Claudia Mastrange

Mudança de vida para caminhos sequer imaginados. Assim pode ser definida, em um olhar, a trajetória de Manoel Soares. O menino de origem humilde, que nasceu na Favela Fria, em Salvador, foi morar em São Paulo e, depois, no sul do país, superou as muitas pedras do caminho, cresceu profissionalmente e é destaque nas manhãs da Globo, no comando do “Encontro”, ao lado de Patrícia Poeta.

Sendo exemplo de persistência e resiliência, Manoel cresceu em um contexto de violência e já chegou a viver em situação de rua. Aconteceu quando ele ficou desempregado, após trabalhar em uma gráfica, em Porto Alegre. “As coisas complicaram, fiquei desempregado e morei na rua por 4 meses. Até que um dia fui abordado para uma  entrevista pela equipe de reportagem da TVE RS. Após a entrevista, me perguntaram como poderiam me ajudar e foi quando pedi um emprego. Comecei na emissora montando e desmontando arquibancadas”, conta ele que, daí para frente foi buscando um caminho profissional.

Depois de iniciar no jornalismo, na TVE RS,  foi convidado para integrar o elenco do canal RBS TV. “Comecei fazendo reportagens sempre voltadas para o assistencialismo e representatividade, dentro do “Jornal do Almoço”, lembra o jornalista, de 43 anos.  Ele também integrou a equipe do  “Profissão Repórter”, atuou como repórter e apresentador do programa “Se Joga”, além de ser repórter do “Fantástico” e apresentador do “É de Casa”.
Desde a estreia no reformulado “Encontro”, o nome de Manoel tem sido muito comentado na imprensa por conta de possíveis desentendimentos nos bastidores, com Patrícia Poeta. Nas redes sociais, são inúmeros os comentários de telespectadores ressaltando que o apresentador não estaria tendo o merecido protagonismo no programa, sendo tratado como coadjuvante.

 

Com Patrícia Poeta, celebrando dois meses à frente do “Encontro”

A despeito dos mais diversos rumores, Manoel evita alimentar as polêmicas e postou, no maior astral, uma foto com Patrícia, celebrando os dois meses do novo “Encontro”. A emissora também divulgou nota, ressaltando que “Sobre a performance do programa e de seus apresentadores, é importante repetirmos que estamos muito satisfeitos com os resultados do projeto ‘Super Manhãs’ da TV Globo, que inclui o ‘Encontro’. Em agosto, o programa teve sua maior audiência mensal em quatro meses”, disse a nota.

Especulações à parte, Manoel segue seu caminho sublinhando a importância da representatividade e da luta contra o preconceito e pela equidade. Recentemente, ele recebeu na Tanzânia o título de Embaixador Cultural da União Africana, pelo conselho econômico e Cultural da The African Pride, organização que promove a integração entre os países do continente africano, desde 2002. O apresentador representará a América Latina

Casado com Dinorá Rodrigues, a coordenadora da CUFA (RS), Manoel tem seis filhos (Vitória, 23 anos; Alex 21 anos; Ezequiel,4 anos;  Izael , 3 anos, Leonardo, 18 anos, e Miguel, 6 anos) e também é autor do livro “Para Meu Amigo Branco” (2022), além de já ter escrito livros para o público infantojuvenil. Além de se destacar como apresentador, escritor e um artista de características marcantes, é também um pai dedicado e afetuoso, que aprendeu a ultrapassar a chamada ‘masculinidade tóxica’, para se tornar um pai presente e afetuoso. “A paternidade mudou minha vida”, afirma.

Com os seis filhos: paizão dedicado

Confira a entrevista de Manoel Soares à Mais Rio de Janeiro.

Verdade que pediu uma oportunidade a uma repórter e entrou na televisão, no setor de limpeza? Como foi?
Foi quando fui morar em Porto Alegre, a gráfica que eu trabalhava fechou e as coisas complicaram, fiquei desempregado e morei na rua por 4 meses. Até que um dia fui abordado para uma  entrevista pela equipe de reportagem da TVE RS. Após a entrevista, me perguntaram como poderiam me ajudar e foi quando pedi um emprego. Comecei na emissora montando e desmontando arquibancadas. Depois passei a fazer faxinas, atender telefones e, aos poucos, fui aprendendo a imprimir textos e corrigir letras do gerador de caracteres.

Que lembranças tem da infância, com todas as dificuldades, ao lado de sua mãe? O que ficou mais forte em seu coração?
Eu não posso deixar nunca de celebrar os momentos bons que minha mãe me proporcionou, com seu afeto, seu cuidado ao deixar sua marca de batom no beijo que dava nos filhos antes de sair para trabalhar, em toda a educação que ela me deu. E essas coisas ficam no meu coração. As dificuldades foram muitas, e ela foi uma mulher muito forte, à frente de seu tempo, e soube muito bem enfrentar tais dificuldades.

Soube que ela te mandou para o sul para te afastar de amigos que julgava má influência, acredita que isso te preservou naquele momento?
Sim, minha mãe teve a sabedoria de observar e agir quando percebeu que eu estava indo por um caminho que ela sempre lutou contra. E para me tirar de um contexto de violência, ela fez com que eu fosse para o Sul do país para trabalhar na gráfica do meu tio. E foi em Porto Alegre que tive a oportunidade de iniciar na TV. Por isso, acredito que sim, a atitude dela na época me preservou e contribuiu para que eu chegasse onde estou hoje.

Você declarou que sua arma contra o racismo é o afeto. E suas matérias sempre foram em campo, mostrando a realidade das periferias, dando voz aos menos favorecidos e sublinhando as desigualdades sociais… Cada um que lute com suas armas?
Optei por trabalhar dentro de uma emissora de massa, por ser o modo que encontrei para conversar com o maior número de pessoas. É a maneira que eu tenho de proliferar as nossas mensagens e plantar sementes interessantes, essa foi a minha escolha de luta. Mas acredito que todas as formas de lutas são válidas, o importante é cada um escolher a sua forma de agir, para que cada vez mais possamos debater sobre o racismo e levantar questionamentos. E, mais do que criar debate, também criar pontos de entendimento e pontos de compreensão.

O que acha que avançamos em relação ao preconceito e desigualdades e o que precisa ser acelerado ainda mais neste processo?
Acredito que as pessoas negras estão conquistando espaço e conquistando competência com atenção, comprometimento e seriedade. E esse avanço se dá como uma consequência da luta dos nossos ancestrais. Para avançarmos em relação ao preconceito e desigualdades com a comunidade negra, o povo branco precisa repactuar o seu compromisso com a liberdade dos pretos. Até porque nós nunca fomos escravos, o povo branco que nos escravizou e nos colocou nesta situação. Por isso, se faz necessário a adequação entre o discurso e conduta quando falamos sobre o processo de equidade entre pretos e brancos. A partir daí, podemos ir para outro lugar.

Estava mesmo disposto a empreender tendo o pão de queijo como produto? Por que havia optado por esse caminho?
Idealizei esse sonho após acompanhar minha mãe na cozinha de uma rotisseria. Eu a observava preparando as comidas pela manhã e via os clientes do local comendo pão de  queijo. Acredito que isso ficou em meu imaginário até se tornar um movimento de desejo. Quando completei 15 anos de TV Rio Grande do Sul, despertei a vontade de empreender e acreditei que o meu futuro era no pão de queijo. Ia aproveitar a suposta rescisão para apostar nesse sonho, mas a vida fez com que eu continuasse atuando com a comunicação.

Como começou sua trajetória no jornalismo? Quanto a nossa fala e representatividade enquanto comunicadores se faz necessária?

Iniciei minha trajetória no jornalismo na TVE RS. Em 2002, recebi um convite da gerente de programação da RBS TV para fazer parte do elenco do canal. Comecei fazendo reportagens sempre voltadas para o assistencialismo e representatividade, dentro do “Jornal do Almoço”.  Antes de apresentar o “Encontro”, fiz parte da equipe do  “Profissão Repórter”, atuei como repórter e apresentador do programa “Se Joga”, além de ser repórter do “Fantástico” e apresentador do “É de Casa”.
Sobre a importância da representatividade, é de extrema importância para a comunidade preta e para todos os segmentos que me veem como igual. A minha responsabilidade como comunicador é manter o nível de qualidade de luta que meus antecessores travaram, para que o menino preto e periférico que me acompanha na televisão consiga se identificar e relacionar a cor de sua pele e condição financeira além do contexto de violência e perspectivas negativas, que são sempre relacionadas à comunidade preta.  A colocação nesse espaço é a prova que a luta que os nossos antecessores e nossos antepassados travaram foi uma luta que valeu a pena e acredito que isso pode inspirar quem me acompanha a também não desistir da luta.

Qual objeto de desejo você pode comprar e te deixou muito feliz?
Tiveram alguns, mas vou destacar a casa da minha mãe.

Como tem sido esse desafio de apresentar o “Encontro”? Com toda sua trajetória, conseguia imaginar um dia ocupar esse espaço tão nobre na telinha?

Confesso que antes de tudo, isso nunca esteve no meu raio de visão. Por acreditar que era algo extremamente impossível, não me dava ao luxo de sonhar com tal coisa.

O “Encontro” é um ponto de conexão entre o mundo e a casa das pessoas, é uma alegria fazer parte deste programa, é a realização de um sonho e ter a possibilidade de melhorar o dia das pessoas que nos acompanham é o nosso grande objetivo. Aprendi com a minha mãe que  “nós temos que trabalhar duramente, trabalhar arduamente”. E eu acredito que as pessoas precisam trabalhar alegremente e trabalhar felizes, para as realizações acontecerem. E é isso que a gente quer transmitir nessas manhãs da Globo, me sinto feliz e realizado com este momento na minha carreira.

A paternidade mudou sua vida e como se define como pai? Foi preciso desconstruir a tal ‘masculinidade tóxica’? E qual o valor da família em sua vida?

A paternidade, ela de fato mudou minha vida. Primeiro porque eu acho que a paternidade é o caminho mais próximo que a gente chega da divindade, é quando você fica com um pouco de Deus. É muito maluco porque você vira anfitrião de um ser, e algumas mudanças você tem que fazer. A primeira coisa foi entender quais eram os gatilhos de masculinidade tóxica que eu tinha na minha vida, e encontrei esses gatilhos e até hoje trabalho esses gatilhos, porque a gente infelizmente cresce em um país extremamente machista, um país misógino, e a gente carrega isso. Obviamente que quando você faz isso, cuida melhor da sua família. E para mim a família é a coisa mais sagrada que eu tenho, a minha motivação de existência é eles. Quando dá vontade de desistir, eu olho do lado e falo: “gente tem um clã aqui pra ser tocado”. Então, isso pra mim é a coisa mais importante que eu tenho. Acho que tudo que eu aprendi com a minha mãe, com minha família, meus tios, fez uma diferença muito grande, que é um cuidar do outro. E se a gente não cuida dos membros da própria família, todo nosso discurso de fé, todo nosso discurso de bondade, tudo isso vai por terra, porque a nossa primeira comunidade é a família. Isso faz toda a diferença. E muitas vezes estamos falando de família estendida, estou falando de sobrinhos, de amigos, tudo aquilo que você ama torna-se sua família.

Consegue conciliar o tempo para dar uma atenção a todos, inclusive conciliando as grandes diferenças de idade?

Eu durmo três horas por dia porque eu quero poder ter um tempo com eles. Na medida do possível, busco participar e saber tudo que acontece com eles…

Fale um pouco sobre o livro “Para Meu Amigo Branco”
Sou um cara que acredita no nem sempre. Não acho que o racismo na maioria das pessoas seja intencional, mas evidência de uma necessidade de autoconhecimento nesse assunto. Este livro é sobre pessoas de pele clara se entenderem em um mundo onde o debate racial é feito a partir dos negros. “Para Meu Amigo Branco” é para pessoas do bem que querem tirar o racismo de suas vidas.

Você é estiloso e curte o afrofuturismo… É muito vaidoso? Como se cuida?
Na verdade eu me cuido sim, eu me cuido, mas eu aprendi a me cuidar depois que eu virei pai, que virei adulto. Eu não tinha muito essa agenda do cuidado não. Era mais um cuidado fictício de querer ficar bonito para os outros, hoje eu tenho uma “parada” de me cuidar para mim, de me olhar no espelho e entender: quando eu gosto de mim, tudo tá melhor. Então a minha vaidade, meu cuidado, tá indo muito mais para esse lugar, do que essa coisa de querer ser o bonito dos outros. Acho que a gente tem que ser bonito para a gente.

Você era um menino sonhador? O que aquele menino diria para o Manoel Soares hoje?
Eu sempre fui um menino sonhador! E se eu pudesse dizer alguma coisa para o pequeno Manoel Soares: “fale menos”. Acho que na minha vida eu falei demais, algumas oportunidades bacanas eu perdi por falar. Mas eu também não sei se eu diria isso para o Manoel pequeno, porque foram os meus erros que me fizeram chegar até aqui. Então na verdade iria encontrar ele, dar um tapa nas costas dele, e dizer “vai fundo, vambora”.

Fotos: Pino Gomes, Myelena Souza e TV Globo