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Rio de Janeiro / Cotidiano

Andréa Beltrão tem dado um banho de talento e beleza em cena e despertado muitos comentários de norte a sul, por conta de sua personagem, a Rebeca da novela das nove da Globo, Um lugar ao Sol. A atriz volta aos folhetins após 20 anos sem atuar em novelas e, aos 58 anos, tem vivido na trama de Lícia Manzo questões comuns à maioria das mulheres na faixa dos 50: o envelhecimento, a decadência profissional, um casamento fracassado e abusivo, o relacionamento com um homem mais jovem, os confrontos com a filha … E nesse turbilhão de emoções, causou alvoroço a cena em que a personagem ignora o marido e se masturba sob os lençóis.

Na ousada sequência, pouco comum em novelas, a personagem dispensa as investidas de Túlio (Daniel Dantas), se masturba e é flagrada pelo marido que fica irritadíssimo ao ver que a mulher prefere se tocar e ter prazer sozinha. A atitude de Rebeca culminou em uma discussão entre o casal. A crise do casamento foi escancarada a ponto de Túlio – que, diga-se de passagem, tem uma amante – ir dormir no sofá. Já a modelo ficou pensando em seu novo amor: Felipe (Gabriel Leone). Cada vez mais distante do marido, ela se apaixonando pelo jovem e os dois já se beijaram.

“O casamento está desgastado por culpa dos dois”, disse Andréa, à Fátima Bernardes, durante participação no programa Encontro, do dia 02 de dezembro. A sequência viralizou na internet e bombou de audiência no Twitter com os internautas comentado a ousadia da cena e aplaudindo virtualmente a atuação geral de Andréa. Em entrevista ao Gshow a autora, Lícia Manzo disse que queria naturalizar o prazer e o desejo feminino.
“Minha intenção ao escrever a cena foi tirar do armário algo normal e saudável. Que a mulher possa explorar, conhecer o próprio corpo”, revelou, ela ressaltando que a sexualidade das mulheres deve ser normalizada. Para ela, debater o assunto é fundamental. “Escrevi a cena porque mulheres também sentem prazer e desejo. Porque a sexualidade é parte da vida das mulheres, e não só dos homens”, disse.

No contexto da trama, Lícia atribui a cena de Rebeca a uma libertação. “Num casamento tóxico, abusivo, a saída mais que honrosa de uma mulher pode ser buscar a conexão perdida com ela mesma, redescobrindo o prazer em si mesma”, destacou.
E a autora completou. “Solidão a dois é algo terrível. E o caminho para a libertação de Rebeca, assim como para outras mulheres, está, literalmente, em suas próprias mãos – e em seu próprio corpo”

Mulheres de opinião

Rebeca (Andrea Beltrão) encara os problemas , assume erros e vai em busca da sua felicidade (Foto: TV Globo)

Em pleno terceiro milênio, o espanto é tanto barulho diante da luz à masturbação feminina, uma das muitas questões abordadas em cena e que fazem parte do cotidiano de tantas mulheres, casais e famílias. O enfoque tem causado identificação muito grande por parte do público, que já considera que Andréa tem roubado a cena na trama das nove. “O que acho interessante nessa novela é que as mulheres têm opinião. Isso é muito bom e não é muito comum em cena”, disse a atriz no Encontro.

E muitos outros conflitos ainda vão pintar na vida de Rebeca. A partir dessa redescoberta de que é sim bonita aos 50, pode sim despertar o desejo de um homem mais jovem, ela entra em conflito interno consigo mesma e até com Cecília (Fernanda Marques), amiga de sua nova paixão. Não será fácil para a personagem se jogar nessa relação e assumir seus sentimentos.
“Se a gente pensar, o romance entre uma mulher mais nova com um homem mais velho nunca foi um problema. A gente está até normalizando um pouco mais essa diferença de idade, só que a Rebeca tem um incômodo, uma vergonha. Então, como é que você quer se libertar do julgamento que vem de fora, mas que, na verdade, também está dentro de você? “questiona Andrea, que é casada com o diretor Maurício Farias.

“Todo mundo quer cuidar da vida do outro”

Durante o bate-papo com a atriz, Fátima se colocou na berlinda: “Vivo um relacionamento com uma pessoa mais jovem. É muito interessante ver o que ela passa. Claro que, pelo fato de eu ser uma pessoa conhecida e de ter um carinho enorme do público, dos fãs, da torcida, sei que não é isso que acontece com a maioria das mulheres. A Rebeca está lá para mostrar isso”, comentou  Fátima, que namora Túlio Gadelha há 4 anos.

“O olhar torto, por mais que para mim não chegue tão forte, ele também chega. E sei que para as mulheres que não têm a mesma visibilidade, que não têm essa torcida, é difícil encarar um relacionamento. E difícil também para o rapaz, o parceiro”.

A apresentadora acha importante essa discussão estar em pauta. “Acho tão bom quando a gente pode discutir essas questões porque está de um jeito que, se for mais jovem é um problema, se for mais baixo, mais alto é um problema. Tudo é um problema. E se for mais velho…”, disse Fátima, que teve seu pensamento complementado por Andréa: “Aí vão dizer que é interesseira, que quer dar golpe. O grande problema é que todo mundo quer cuidar da vida do outro. Deixa o outro viver, deixa!”, sentenciou a atriz.

As questões da maturidade também são bastante enfocadas na trama, até porque a personagem trabalha como modelo e começa a temer a perda de espaço na profissão por conta da idade. A própria filha, Fernanda, começa a se destacar e ser comparada à mãe ‘quando ela era jovem’. Mas o que Rebeca vê no espelho não combina com o que percebe de si. “A Rebeca tem uma idade interna e sente essa idade de verdade. É como aquela frase ‘você me ve como eu me vejo?”. Acho que a Rebeca tem esse dilema. Ela quer saber como as pessoas a veem. E é interessante agora esse conflito com o envolvimento com um rapaz mais jovem. A atriz Mae West dizia ‘Eu não quero muitos homens na minha vida,. Mas quero homens com vida’. Então, viva a liberdade e a felicidade”, decretou.

Nessa pegada, o incômodo pela passagem natural do tempo não bateu tão forte para Andréa. Questionada se tem alguma questão com os 50 anos, ela assume. “Acho que sim… Coisas que mudam, passagens, diferenças… É estranho para mim porque eu não me vi envelhecendo. Agora estou com 58 e começo a perceber novas coisas. Mas eu me sinto muito bem, muito jovem”, disse, lembrando que a maturidade tem suas vantagens. “Com a idade, ou é ou não é. Tem que ser. O tempo de erro é maravilhoso… mas você tem que se jogar. Eu acho. Trabalhar na coragem”.

Andréa declarou recentemente que, com a idade, se sente “Um pouco mais leve, talvez. Essa questão da idade, da passagem de tempo a Lícia (Manzo, autora) escreve com graça, leveza, muito afeto. Então não é algo pesado”, exalta. “Eu, como mulher dessa idade, todas as situações da Rebeca para mim eram sempre muito interessantes. Se não vi quase todas, compreendo e vejo com carinho. Não vai para um lugar de angústia, massacre, sofrimento e sim ‘qual é o problema de envelhecer?’. A gente não precisa ter problema. Até porque a outra opção é bem pior”, afirma a atriz.

Personagens inesquecíveis nas telas

Com Kadu Moliterno, André de Biasi e Jonas Torres no pioneiro seriado Armação Ilimitada (Foto Reprodução)

Aos 14 anos, Andréa Beltrão iniciou o curso de Teatro do Tablado, um grande centro de formação de atores na Zona Sul do Rio de Janeiro, e fez sua estreia no palco como o João Grilo da peça O Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna. “Na verdade, não sei bem onde começa o profissional e onde termina o amador, porque sempre trabalhei muito, fiz muito teatro de rua. Quando entrei para o grupo Manhas e Manias, não me lembro exatamente o ano, a gente trabalhou muito, no Rio e no Brasil inteiro”, explica.

Na televisão, Andréa despontou como a repórter Zelda Scott, do seriado Armação Ilimitada (1985), que estreou com o episódio “Um Triângulo de Bermudas”, em que sua personagem vivia mil aventuras e – já na ousadia – romance ao lado de Juba( Kadu Moliterno) e Lula (André de Biasi). O trio formou a família menos careta da TV, completada com a chegada de Bacana (Jonas torres). Juba e Lula, surfistas, se metiam em mil confusões, esportes radicais. Ninguém usava dublê e o seriado foi inovador conquistando prêmios uma audiência jovem.
Mais recentemente, Andréa fez graça com as personagens Marilda, de A Grande Família (2003), e a complicada Sueli, de Tapas & Beijos (2011). Em 2020, foi indicada ao Emmy Internacional de melhor atriz pela sua atuação em Hebe. “O fundamental em um bom trabalho é criar uma boa personagem. O importante é qualidade, seja em teatro, cinema ou televisão. Precisamos despertar alguma coisa em quem assiste, trazer alguma reflexão.”

“Há muitas mulheres dentro de uma mulher”

Alessandra Augusto – Psicóloga

A sociedade critica a mulher mais velha com o homem mais novo porque, ainda se tem a concepção que o papel do homem na vida da mulher ainda é o de proteção, manutenção de cuidado. Então quando há um rapaz mais novo surge logo a dúvida: que estabilidade ele tem para oferecer a ela? Como assim? Ela vai ter que sustentá-lo? E se ela precisar de algo? Pois o homem tem ainda, na sociedade, esse papel de provedor.
Um relacionamento assim é motivo de polêmica e ela é olhada de forma diferente. Se as pessoas veem um homem mais velho com uma mulher mais jovem, imaginam: tudo bem, ele vai cuidar dela. Mas o contrário as pessoas acham que ela é que assumirá os cuidados, como se fosse uma mãe.

No âmbito pessoal, é muito importante a mulher conhecer seu corpo, até para que ela possa direcionar o parceiro e os dois usufruírem juntos da melhor forma. Se eu não me conheço, até onde meu parceiro me faz chegar é meu limite. Se não for um lugar legal fico ali naquele limite. E sou um ser social, leio,

Vejo novela, converso com as pessoas e imagino que posso ir além. É como comprar uma Ferrari e andar a 60km/h quando nas instruções fica claro que ela pode chegar a 200 ou 300 Km/h. Então fico nesse delay. Querendo estartar, apertar um botão sem saber onde. Mas se a mulher conhece o corpo ela direciona: olha, é aqui nesse ponto que vamos chegar juntos aos 300km/h, ao prazer pleno.

A masturbação é uma prática desde a infância. É uma zona sensorial , que está ali o tempo todo. Isso já é explicado pela psicanálise. Mas isso é recalcado. Questiona-se para que a mulher precisa ter prazer, que o prazer dela esta na maternidade. Não. Nós sentimos prazer com nosso corpo, não é só o homem, com o falo. A mulher precisa ter o prazer até para entrar em equilíbrio, temos hormônios. É uma prática que deve ser feita com equilíbrio – para que não fique só em você e nada com os outros.

A força para se redescobrir é com o conhecimento, como funciona fisiologicamente o corpo, seja coração, rins, ou genitália. Busque se conhecer, vá a uma psicoterapia, descubra seus limites. O conhecimento é a grande porta para ter essa força.

Já a questão do redescobrir vou botar na caixinha do ressignificar. Vamos ressignificar alguns tabus, algumas falas, de acordo com o que eu quero? Não posso esquecer que sou um indivíduo singular e único e subjetivo. Trazer por exemplo essa cultura de que a menina não se toca, não senta de perna aberta, para uma menina que é sim sensual, não é feio seduzir seu parceiro ou sua parceira. A gente quebra tabus com ressignificação.

Com essas duas ferramentas, a coragem vem por si só. A mulher fica mais audaciosa e sabe onde pode chegar e o que pode tirar do corpo dela. E , com certeza, no caso da mulher de 50 anos, quem estiver com ela terá também. Ah, e existe prazer em dar prazer ao outro. Ele me ajuda achegar ao ápice e eu também sinto prazer em ver o outro chegar ao seu.
Já ter 50 anos traz essa maturidade . Então já pela experiência de vida, nós já entendemos e eu já sei o que me faz feliz. E isso já me dá coragem de buscar essa felicidade. Há mulheres que vivem ainda situações da clausura, encapsuladas. Ficam isoladas. Se impõe um limite: aqui eu estou feliz. Mas ela sequer se experimentou! Se abra para o mundo, se informe. Fale menos e ouça mais. Tire de si o melhor de você. Socialize-se, humanize. Só posso escolher uma coisa em detrimento de outra se eu me conhecer.

A internet nos traz muita coisa, vamos buscar usar essa ferramenta. Vamos usar esse poder de expansão de conhecimento. Meu sonho é ter um carro vermelho. Mas se você sabe o que é carro e o que é vermelho? Só posso validar, querer, se tiver o conhecimento. A mulher precisa se informar. Uso todo o meu trabalho para empoderar a mulher, informar, mostrar seus direitos. Ampliar esse campo de percepção, acolher. É preciso mostrar: olha, há muito mais coisas aí…. Tem muito mais coisas até do que ser mulher. Há muitas mulheres dentro de uma mulher. E é tirar o melhor dessas mulheres. E isso, por si só já me da coragem de buscar o que é melhor para mim. Melhorar minha autoestima. Se eu me amo, só quero coisas boas para mim. Se cuidando, se autoconhecendo, buscando uma psicoterapia… Se conheça.

Fotos: Fábio Rocha/ TV Globo, Estevam Avelar/TV Globo e Divulgação