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Rio de Janeiro / Cotidiano

Brilhando como a Maria Bruaca, em Pantanal, a atriz diz que é um aprendizado reunir forças e inspiração para transformar seu próprio destino

Por Claudia Mastrange

Isabel Teixeira virou assunto nacional. Ou melhor, a virada de jogo da personagem Maria Bruaca, lindamente interpretada pela atriz no remake da novela “Pantanal”, mexe com o imaginário do público e ganhou a torcida, especialmente das mulheres, que acompanham o folhetim das nove da Globo. Nesse momento da trama, a dona de casa decide mudar radicalmente de postura, após descobrir que o marido Tenório (Murilo Benício) tem uma segunda família.

Na última semana, o assunto esteve entre os mais comentados no Twitter – desde o dia 1º de maio, a hashtag “Maria Bruaca” foi citada mais de 65 mil vezes-, levantando o debate sobre o empoderamento feminino. “O que eu escuto e leio muito é uma vontade louca que ela vire a chave, que ela se solte, que ela se liberte. Mas na vida, virar essa chave é um pouco mais complicado, né? Eu queria que todo mundo pensasse ‘será que eu também não preciso dar um passo aqui pra mudar’ ou pelo menos entender onde eu estou e me perguntar ‘isso é bom pra mim?'”, declarou Isabel, em entrevista ao ‘Fantástico”.

Maria Bruaca, que na primeira versão exibida pela Rede Manchete, em 1990, foi vivida pela atriz  Ângela Leal, é uma dona-de casa madura que vive submissa ao marido, um fazendeiro machista que vive de grilagem de terra, e a filha Guta (Julia Dalavia ), que não se conforma com a submissão da mãe e o tratamento que o pai impõe a ela. A descoberta da traição é a gota d’ água e o ponto de virada de chave para a personagem. “É uma pessoa que viveu de amor e, de repente, perde o chão”, resumiu Isabel em entrevista.

Sem referências, em uma vida de servidão de quem se acostumou a ser maltratada, no coração do Pantanal, sem acesso à informação ou diversão, ela acaba se envolvendo com o peão Alcides (Juliano Cazarré) aos poucos, vai se redescobrindo como mulher. Na história original, o capataz é castrado por Tenório, após o fazendeiro descobrir o romance. Segundo informações, é bem provável que a tragédia se repita nesta versão.

O processo de libertação de Isabel, inclusive enfrentando o marido e se negando a fazer comida ou ‘soltar os cabelos’, para servi-lo, inclusive na cama, virou assunto nas rodas de conversa e nas redes sociais. “A gente está aqui feliz da vida com essa repercussão, com esse carinho que o público está dando para a gente. Está sendo lindo viver isso”, declarou Isabel, em entrevista a Fátima Bernardes, no “Encontro”, de 26 de maio.

A apresentadora  comentou sobre o atual momento de transformação da personagem na trama e questionou de a atriz esperava tamanha identificação de tantas mulheres com Bruaca. “Eu sempre achei a personagem um clássico da dramaturgia, desde que ela foi criada pelo Benedito Ruy Barbosa e também criada pela Ângela leal, que eu reverencio e honro todos os dias. Mesmo assim, eu não esperava essa repercussão assim tão grande agora. Eu tenho uma empatia com essa personagem, mas desse jeito, parece que a voz dessa personagem na ficção está virando a voz de muitas mulheres”, contou.

Em outra entrevista, Isabel comentou que a novela é um clássico e a personagem, também, o que torna a identificação universal. “Eu me lembro, eu assisti quando eu tinha 15 anos. Eu me lembro muito dela, mas eu acho que hoje tem alguma coisa acontecendo, não é? O que ela está falando tanto para as pessoas hoje em dia, depois de 30 anos da época em que ela foi criada, é para pensar nisso, não é? Descobri muitos pontos de contato com mulheres contemporâneas. Mas eu não esperava não. Eu estou adorando” contou.

Torcida nas ruas: “reage, reage!”

Com os colegas de elenco nos bastidores de “Pantanal”: sintonia total (Foto: Reprodução Instagram)

E o que tem escutado das mulheres, na ruas? “Tinha uma grande torcida para essa virada, acho que isso é o principal. Reage, reage! E eu sinto que as mulheres me dão esse retorno de força, de ‘vamos lá’, de como a fizéssemos a coisa juntas”, contou, ressaltando que uma mudança de vida como essa, não é simples. “Eu digo que a Bruaca, para deixar de ser Maria Bruaca, ela cai e levanta, cai e levanta. Como é na vida, mesmo. Não é uma coisa  de ’virei a chave e mudei’. Tem um tempo, tem um aprendizado dela que vocês vão acompanhar que a gente vai viver juntas”, antecipou. A inspiração para o trabalho foi Ângela Vieira “Inspiração não só artística, mas como mulher. Me marcou muito..Lembro dela amamentando na rua a Leandra leal. Faço uma homenagem, à minha avó paterna, com quem convivi e reverencio também”.

Isabel falou ainda sobre o desejo de vingança  de Bruaca, mas lembrou que as emoções se misturam.  “Tem esse sentimento de vingança, sim. Tem muita tristeza também, porque é um casamento de 30 anos que acaba. Tem um resquício de amor pelo Tenório? Tem! É muito difícil mudar, é preciso ter muita coragem. E espero que muita gente se inspire. Se não está bom, tem que levantar e mudar”, concluiu a atriz durante o “Encontro”.

Nesse caminho, pouco a pouco público vai acompanhando os novos rumos de Bruaca, em clima de torcida total pela felicidade da personagem. “A realidade dela é aquela casa. Ela pisa nesse chão concreto e acredita neste casamento. Com a descoberta da segunda família de Tenório, ela perde aquele chão. Imagino esse chão sofrendo um abalo sísmico, um terremoto. São 30 anos de casamento, são teias invisíveis entre aquelas duas pessoas. Ela tenta continuar em pé, durante um bom tempo na novela. Ela joga pra tudo que é lado e, um desses, é a sedução, a descoberta da própria sexualidade”, declarou a atriz, ainda no início das gravaçôes, ao site GShow.

Quase 40 anos de carreira

 

Filha do cantor e compositor Renato Teixeira e irmã de Chico Teixeira, que interpretaram o peão Tião na novela-, Isabel tem 48 anos de vida e 38 de carreira no teatro. Embora se sinta uma iniciante do audiovisual, já que “Pantanal” é sua segunda novela, após uma participação como a médica Jane em “Amor de Mãe”, a atriz, diretora e dramaturga celebra quase quatro décadas de carreira nos palcos. Sua mãe, Alexandra Corrêa, também era atriz; assim como a avó e tia-avó.

A  influência foi tão forte dentro de casa, que a veia artística falou mais alto e ela despertou cedo a paixão pelo teatro. Aos 10 anos fez sua estreia na peça “Uma aventura a caminho do Guarujá”, que tratava de ecologia e desigualdade. Isabel lembra que sua mãe perguntou ela queria desistir que antes de entrar em cena. Ela foi em frente, e não parou mais. No teatro recebeu prêmios importantes, como o Shell por sua atuação em “Rainha[(s)], duas atrizes em busca de um coração”.

Com a repercussão do trabalho atual, Isabel celebrou a nota dez que ganhou da coluna Patrícia Kogut, com uma postagem recente no Instagram. “Acordei com esse dez da Kogut , que me encheu de alegria. A estrada até aqui fica toda iluminada quando reconhecem um trabalho. Muita gente esteve comigo, muita gente está comigo e eu honro todas essas pessoas que amo. Um trabalho desses se “faz com”. É junto. Muita gente escreve essa Maria. Mas hoje, nessa manhã pantaneira, eu penso que tem uma frequência no ar pedindo para ser notada. O reconhecimento pelo trabalho vem junto com o reconhecimento de que Maria dá voz à vontade de mudança. Seria tão simples se fosse fácil, não é? Tenho recebido mensagens lindas, depoimentos… vontade de escutar e ler tudo. Aos poucos vou conseguir”, disse.

Isabel contou, em entrevista ao jornal Extra, que Maria tem transformado, além de sua carreira, também sua vida. “É bonito viver essa transição da personagem porque estou pensando sobre os processos pelos quais ela está passando. Estou aprendendo que não preciso viver “em relação a”, principalmente com a geração mais nova. Que é legal “estar com”, e, para isso, preciso estar bem comigo mesma.

Conviver com a personagem tem sido, também, um belo exercício de auto-estima. “Meu acordo com meu corpo, comigo mesma, é uma batalha. Estou chegando aos 50 e acho que vivo melhor momento. Gosto de olhar para trás e ver “que legal, de uma maneira geral, fui coerente comigo mesma”. E aí eu começo a me gostar meio que por isso. É uma coisa nova para mim. Eu era muito crítica, me colocava para baixo. Agora eu fico “puxa, cheguei até aqui, que história legal!”.

A atriz conta que não assistia aas suas cenas, quando fez a médica Jane em “Amor de mãe” não se assistia. “Eu não me via. Era doloroso, porque quem eu achava que eu era não era aquilo ali. Mas depois fui vendo que é isso aí, sabe? É lindo. Não me maquio para fazer a Maria, esse é o meu corpo e essa sou eu. Para aceitar me ver, tive que ter um aprendizado de amor próprio, e agora está sendo um barato assistir!”, disse.

Para o público também tem sido um prazer assistir ao belíssimo trabalho de Isabel Teixeira.

 “A vítima cede por medo”

Formada em Psicologia, palestrante, pós-Graduada em Terapia Sistêmica e pós-graduanda em Terapia Cognitiva Comportamental e em Neuropsicopedagogia, Alessandra Augusto é a autora do capítulo “Como um familiar ou amigo pode ajudar?” do livro “É possível sonhar. O Câncer não é maior que você!”.Brasil A psicóloga fala sobre como a mulher pode sair de situações de abusos e sobre a identificação de tantas brasileiras com a personagem Maria Bruaca.

Como a mulher identifica que a relação é abusiva?

É muito sútil. Por isso é até difícil da própria vítima identificar. Por vezes a gente encontra até situações em que o próprio abusador não acha que está abusando. Ele acha que é um direito. E é importante ressaltar que isso pode acontecer também em relação à mulher com homem ou a relação de pais e filhos. O interessante que é que o indivíduo manipulador começa declarando que está cuidando dessa vítima, mas ela começa com a castração com ciúmes excessivos, controle do social… O cônjuge pode falar ou não. Pode haver controle do financeiro, então é importante ressaltar que a violência doméstica  não está agregada somente à questão física e ao abuso emocional. Um abuso dentro de uma violência doméstica é o começo.  Ele permeia o abuso psicológico. Essa vítima é envolvida e levada a acreditar que ela participou desse movimento do outro. Há vítimas que, no início, desacreditavam que o outro estava abusando. Entendem que ela procurou ou fezo alguma coisa pra que desencadeasse esse comportamento no outro.

Isso dificulta uma reação ao abuso né?

É muito interessante ressaltar porque isso dificulta muito a vítima sair desse processo do abuso. Porque o abusador/manipulador faz com que a vítima entenda de que ele só teve essa reação, uma explosão de ciúmes ou até uma agressão verbal porque a outra não cedeu ao que ele queria ou não fez o que foi orientado. Então aí entra chantagem. Até a destruição do patrimônio, quebras de celulares, rasgar objetos. E isso dificulta porque isso demora muito a vítima reconhecer que está vivendo num relacionamento abusivo.

Porque casos como a da Bruaca sensibilizam tantas mulheres por conta de uma novela? Rola uma identificação das mulheres ‘reais’

Esses casos acontecem e têm o poder de sensibilizar mulheres porque muitas só conseguem identificar essa relação de abuso em grupo. Na terapia de grupo ou quando esse abuso atinge outra esfera, de  agressão física ou é um momento da novela. O personagem é como se fosse um espelho. E ela fala : ‘olha, está retratando o que eu passo’. Eu ouço essas frases: ’me vejo nessa mulher’. E aí ela consegue me mobilizar.Acho que esses trabalhos são importantes.As vítimas sequer sabem que estão passando por abuso. Então, quando eu vejo a minha vida retratada ou algo semelhante, é bom que eu tomo consciência, tomo ciência daquilo que estou passando. Às vezes se prolonga por tanto tempo o abuso, que realmente a vítima não percebe. Acha que aquilo ali é até uma forma da pessoa amá-la. Se o indivíduo mostra um excessivo, a vítima entende que é muito amor. Se controla a roupa, ela entende que é porque não quer que exponha porque ama demais. E aí é todo um trabalho de conscientização de que está passando de alguns limites. Mesmo até a vítima cedendo, mas não é consentido. A vítima cede por medo, por dependência financeira, por dependência emocional.

Como reforçar a auto-estima para dar um basta e fazer as mudanças necessárias na vida?

Deixar de ter a crença do desamparo, do desafeto, do desamor, da desvalorização. Porque é por aí que essas que esse manipulador abusador entra. Colocando essas crenças. Esse indivíduo é envolvido por esse abuso psicológico. Então a psicologia faz esse trabalho de autoestima, autocuidado. Primeiro fazendo ela perceber trabalhamos a autoestima e ela vai pegando confiança até ela perceber que sim que ela é capaz de viver sem essa dependência emocional, financeira dessa pessoa. Então ela consegue sair dessas relações abusivas e manipuladoras.

Fotos: João Miguel Junior e Reprodução