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Rio de Janeiro / Cotidiano

 Roberta Miranda abre o jogo sobre sua história, repleta de determinação e talento, que abriu caminho para a ascensão das mulheres no gênero sertanejo

Por Claudia Mastrange

Pioneira. Não é à toa que Roberta Miranda é considerada a ‘Rainha da Música Sertaneja’. O título é mais do que merecido. Se hoje as ‘patroas’ são uma explosão de sucesso, a força feminina no sertanejo, nomes como Roberta abriram caminho soltando a voz em um gênero musical antes dominado pelos destaques masculinos. “Fico muito feliz com cada conquista, principalmente em ver essas meninas brilhando nos palcos pelo mundo afora”, afirma a cantora.

E a jornada foi de muita determinação e com pedras pelo caminho. Mas a menina Maria Albuquerque Miranda, nascida em João Pessoa, na Paraíba, sabia muito bem onde queria chegar e que tinha potencial para conquistar o mundo. Com mais de 400 canções compostas, batia de porta em porta para mostrar seu trabalho. Foi a explosão de “A Majestade o Sabiá’, na voz de Jair Rodriges, que deu o boom na carreira. “Ainda não havia chegado a vez da cantora Roberta Miranda, mas a compositora fora reconhecida. Era um começo, pensei”, lembra ela que, logo em seguida, conseguiu gravar o sonhado primeiro disco.

De lá para cá, lá se vão mais de 36 anos de história da cantora, compositora, multiinstrumentista, escultora e pintora, considerada uma das principais vozes da música nacional de todos os tempos. São 20 discos, 6 DVDS, 700 composições e 5 indicações ao Grammy Latino. Roberta já vendeu mais de 28 milhões de discos e foi a primeira a vender acima de 1.750.000 cópias no disco de estreia.

Além de brilhar na música, a cantora faz sucesso também nas redes sociais, sendo considerada uma das grandes ‘Rainhas do Instagram, com um público 67% feminino, majoritário entre 18 a 32 anos. A intimidade com a internet e a quarentena renderam cinco lives e o projeto “TeAbraçoComaMúsica”, para matar um pouquinho da saudade de seu público.

No fim de 2021, com a retomada dos eventos, Roberta voltou aos palcos, roda pelo Brasil com o show ”My Life” e, em 2022 já viveu muitas emoções, traduzidas em reconhecimento internacional:  a convite de estudantes de Harvard, MIT, BU e outras escolas de Boston, participou de um painel sobre cultura popular durante a oitava edição da Brazil Conference. Lá, foi reconhecida e agraciada por dois governadores – de Massachusetts e Rhode Island – e três prefeitos – de East Providence, Brokton e Pawtucket. Feito nunca antes alcançado por nenhum artista brasileiro nos Estados Unidos e honraria mais que merecida.

Confira a entrevista exclusiva de Roberta Miranda à Mais Rio de janeiro.

É muita estrada… São quase 40 anos de carreira, mas dá pra fazer um balanço de toda essa trajetória? Faria algo diferente, Roberta?

Verdade, são muitas histórias para contar (risos)!! Aprendi muito ao longo desses anos, e também conheci pessoas incríveis, mas o mais importante, que eu me orgulho muito, foi nunca ter perdido as forças para plantar as minhas sementinhas no movimento sertanejo no Brasil.

Você foi pioneira entre as mulheres no sertanejo.. Como vê importância das ‘patroas’ da nova geração para a música?

Fico muito feliz com cada conquista, principalmente em ver essas meninas brilhando nos palcos pelo mundo afora. Por mais de duas décadas me perguntei “onde estão as mulheres?”. E hoje eu tenho a alegria em ver o sucesso de grandes artistas não apenas no sertanejo, mas no forró, MPB e principalmente no funk.

– Como foi a sua descoberta, identificação e imersão nas redes sociais?
Há tempos eu escutava as pessoas comentando sobre o quanto eu parecia séria, até mesmo porque profissionalmente, eu sou assim, um pouco mais fechada. Mas, graças à internet e a minha empresária, a Célia, que trabalha comigo há mais de 30 anos, eu pude mostrar esse meu outro lado, uma pessoa mais leve, carismática, divertida e que gosta de dar risada, fazer brincadeira. Célia frequentemente me dizia: “as pessoas precisam conhecer essa Roberta que eu conheço” (risos).

– A maior parte de seus seguidores são mulheres e jovens. Imaginava atingir tão fortemente essa turma?
Esse é um ponto muito positivo das redes sociais, fazer com que o nosso trabalho chegue a outros públicos, principalmente aos jovens. Não imaginava essa visibilidade, mas lógico que fico muito grata. Fico lisonjeada em atingir as mulheres que são as mais críticas em tudo, e hoje meu público feminino passa de 60%. E é uma questão de pegar mesmo na mão delas e dizer “muito obrigada”.

– Interage muito com fãs e amigos? Te pedem coisas inusitadas pelo direct? O que por exemplo?
Demais! Vão desde pedidos de ajuda até coisas mais ousadas que não posso expor. Mas, claro, que com muito respeito, caso o contrário, eu bloqueio os ‘engraçadinhos’ (risos).

– Me conta uma loucura de fã?
Teve uma época que eles conseguiam entrar no hotel, se hospedar no mesmo andar que eu e até já conseguiram se esconder no guarda-roupa do meu quarto. Foi um baita susto. Tanto que, depois, meus seguranças sempre chegavam antes de mim aos hotéis para checar tudo e ver se não tinha ninguém em algum canto escondido.

– Durante a pandemia você também bombou nas lives.. Como foi atravessar esse momento e como vê agora a retomada cultural?
Muito importante, por diversos fatores. O primeiro sem dúvidas é o econômico. O nosso setor gera vários empregos de forma direta e indireta, sem contar que a música traz leveza aos nossos dias. E as lives foram um respiro quando tudo estava parado. Ver que o nosso público estava ali, que poderíamos trocar energias e bons momentos, mesmo em dias difíceis. Em todas as lives que fiz me diverti bastante.

– Qual a emoção dessa passagem pelos EUA, ao ver seu trabalho reconhecido internacionalmente e também por estudantes, provando que sua música atravessa gerações?

Participar desse painel em Boston, por meio dos estudantes de Havard, foi muito honroso, porque além de estar ali falando da nossa música, principalmente sobre o gênero sertanejo, tive uma grande surpresa. Recebi uma premiação através do governador de Massachusetts, do governador de Rhode Island e também recebi outras citações de outros estados, assim como a chave da cidade. Foi tudo muito lindo, todo esse reconhecimento respeitando o título que o povo e os fãs me deram “Rainha da Música Sertaneja”. Lá, pude relembrar e mostrar a minha trajetória na música e o quanto eu trabalhei, o quanto eu lutei, o quanto que galguei cada passo, para justamente as meninas do sertanejo estarem onde elas estão.

– Qual a tua maior inspiração para compor?
Ah, gente! O amor, com toda certeza, são os momentos. É a minha própria vida que está retratada nas minhas canções, algumas vezes acertando, outras errando, mas tem muito da minha vida.

– Às vésperas do Dia dos Namorados, como vê os amores possíveis de hoje em dia? Na vida a dois, pelo próximo… O que alguém precisa ter para te conquistar um mulherão como você?
Em termos de personalidade, caráter, acima de tudo. Acredito que as pessoas, no geral, precisam ter princípios. Os amores hoje eles são muito rápidos, eu vejo alguns quase banalizados. Um “eu te amo” em menos de meia hora, mas não demonstra, pelo contrário, diz “eu te amo”, mas em seguida está magoando e machucando aquela pessoa de todas as formas, até mesmo fisicamente. Vejo as pessoas falando “eu te amo”, mas não deixam o parceiro ou a parceira crescer na vida, ver os amigos. Isso não é amor, é egoísmo. E o que precisa ter para me conquistar é uma coisa muito simples: respeito.

– Dê uma dica para os apaixonados…
Amem e se permitam ser amados.

– O que curte fazer quando vem ao Rio de Janeiro? O que mais ama na cidade?
Amo o Rio de Janeiro! Como muita gente sabe, sou apaixonada pelo mar. Olhar para o mar, me traz recordações da minha infância, tanto que optei ter um imóvel no litoral, ao invés de adquirir uma propriedade no campo ou uma fazenda, como a maioria das pessoas supõem que seria o meu perfil, por eu ser uma artista sertaneja… Sou muito simples e gosto de coisas simples, como admirar o mar e, no Rio de Janeiro, não poderia ser diferente. Admirar o mar e essas praias belíssimas é a minha paixão.

“Não é Fácil dizer ‘eu quero’”

“Sou uma cidadã paulistana nascida em João Pessoa, na Paraíba, meus pais tinham três filhos homens e queriam uma menina. Depois de 17 anos eu nasci, Maria Miranda. Quando completei oito anos, a família veio tentar a sorte em São Paulo. Meus irmãos se tornaram professores. Eu, concluído o curso colegial, pegava o violão e matava as aulas do cursinho. Queria ser cantora. Apanhei. Fui quase internada, pois eles sonhavam que a única filha fosse professora.

Naquele tempo, violão, música e vida noturna não eram o ideal de uma família como a nossa, que migrou para a cidade mais rica do país. Acontece que eu tinha um sonho e uma determinação. Eu queria ser artista, compositora, cantora. Para isso, trabalhei arduamente por 14 anos em bares e casas noturnas e me tornei Roberta Miranda.

Em São Miguel Paulista, para onde viemos, descobri que Hermeto Paschoal morava na mesma rua. Fugia para a casa dele e ficava quietinha vendo ele trabalhar. Mamãe ia me buscar, pedia desculpas por eu estar incomodando, mas ele me salvava sempre, dizendo que não atrapalhava em nada. Eu respirava fundo e seguia atrás do meu sonho.

Aos 16 anos, comecei a cantar em bares e acabei sendo contratada para abrir os shows do Beco e do Jogral, em São Paulo, na época o reduto da Bossa Nova. Abri show para Fafá de Belém, Rosemary e quem mais estivesse sendo dirigido por Abelardo Figueiredo ou Augusto César Vanucci. Eu queria cantar, cantar e compor loucamente e, se possível, ser ouvida e entendida.

Naturalmente, apareceu um empresário de conversa bonita, dizendo gostar das minhas composições e pensando em torna-las conhecidas. Fiquei em êxtase, mas quando soube que meu nome não seria citado, mas que ganharia um bom dinheiro, objeto de extrema necessidade, o meu sonho falou mais alto: não e não. Quero o meu nome aparecendo. Continuei na minha vida de crooner e trabalhava como maquiadora, assistente de estúdio, qualquer coisa que me permitisse comer e compor. Fiz 400 composições e bicos que me aproximavam dos artistas, das gravadoras, para oferecer as minhas músicas.

Até que um dia mostrei “Majestade, o Sábia” numa gravadora. Eles gostaram muito e resolveram gravar. Foi um super sucesso e Jair Rodrigues vendeu quase um milhão de discos. Ainda não havia chegado a vez da cantora Roberta Miranda, mas a compositora fora reconhecida. Era um começo, pensei.

Finalmente, gravei o meu primeiro disco. Eu tinha sede, tanta vontade de vencer que perguntei ao meu maestro, Nelson Oscar, quantos discos teria que vender para que a gravadora me desse a oportunidade de gravar o segundo disco. Ele me falou: “Roberta, para você pagar todos os custos terá que vender 5.0000 cópias”. Eu pensei: “Vendo de porta em porta, vendo pra minha família, vendo para os meus amigos”, cheia de empolgação.

De repente, lancei o disco que tem a música “São Tantas Coisas”, como carro chefe. Um dia cheguei à fábrica da gravadora Continental e ví um caminhão carregando discos. Eu na maior simplicidade, cheia de curiosidade, comentei com o carregador: “Nossa, quantos discos!… Quantos têm aí? E ele respondeu que eram 100.000 cópias. “Quem é o artista?”, perguntei. “É tudo seu, Roberta Miranda”… Fiquei parada, levitando, sentindo o chão fugir.

Depois de tanto me degladiar com o machismo, o venci às custas do meu talento e do desafio de dizer uma frase de extrema simplicidade e de grandes implicações. Não é fácil dizer EU QUERO. A mulher nasceu com todos os requisitos para ser vencedora. Só precisa tomar conhecimento do valor que representa e coragem de querer”.

Fotos: Paolo Martinelli